quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Perturbação V

Tudo que ela mais queria era dormir e só acordar daqui um tempo... Aqui não estava dando mais...

Ela queria esquecer esse mundo e ir para outro, onde as cores e os amores são lindos e tudo é mais bonito e simples. A vida é muito fácil, mas andam complicando demais. Quando Vinícius disse que o amor só é bom se doer, ela pensou que podia até doer um pouquinho, mas do jeito que estava, era demais. Não aguentava esse aperto...

Ontem ela o encontrou. Assim, bem casualmente e rápido. Engraçado, quando ele estava se aproximando, de alguma forma ela o sentiu e olhou para o lado. Quando viu ele caminhando, deu uma vontade imensa de sair correndo, de ir embora. Queria fazer isso pra ver se esse sentimento que teimava em ficar, ia embora também.

Quando ele se aproximou parecia que o mundo não existia e era só ele na frente dela, seu coração acelerou, queria abraçá-lo e dizer: "Vem comigo! O mundo pode ser nosso, deixa esse drama, essa dor, que eu me mostro daqui pra você, vamos guardar todos os sonhos bons e viver aonde o vento é brisa, vem!". Mas sua reação foi fingir que estava procurando algo na bolsa e acender um cigarro para não encontrar seus olhos.

Como se nada tivesse acontecido com ambos há tempos, ele agiu de uma forma normal, bem casual. Para ela, foi muito esquisito vê-lo. Depois de tanto tempo... Ela pensou que só havia uma explicação para todos aqueles sentimentos confusos: devia ter algum distúrbio, isso que ela sentia quando ele estava perto. Parecia que ia explodir, não cabia dentro dela, era muito pequena pra um sentimento tão grande.

No dia seguinte, ele havia mandado um email com assuntos casuais. Essa era uma forma dele se reaproximar. Conhecia-o demais e sabia que seu orgulho podia ser maior do que o mundo todo. Ele estava querendo testá-la para ver se podia haver uma reaproximação... Tinha certeza...

Estava perdida. Todos lhe falando para deixar disso, para esquecer e ir embora, mas ela não conseguia pelo simples fato de não querer. De início tinha pensado: Bem, eu esqueci aquele outro, então esse vai ser moleza... Engano. Estava sendo pior e de uma forma que não conseguia explicar. Estava com isso bem claro, não queria esquecê-lo de verdade. Falava que sim, mas não é o que queria mesmo... Nada dessas ilusões de que ele iria mudar e seria tudo lindo, nada disso. Ela tinha consciência de todas as coisas ruins que voltariam com ele... Mas bastava um sorriso e tudo que passou de ruim, o quanto sofreu antes, era esquecido.

Hoje quando caminhava para ir trabalhar, sua vontade era de ir à casa dele, abraçá-lo e dar um beijo. Imaginou que falaria como o queria da mesma forma que era no início... Aquele que conversou com ela a madrugada inteira e a deixou enxergar dentro, ela queria aquele carinho e o sorriso que só ele tinha. Estava sem norte, sem rumo e não sabia mais como seguir. Antes do final do dia queria vê-lo e achava que ia acabar indo lá tocar a campainha...

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Perturbação IV

E veio a madrugada, com ela um silêncio que a incomodava. Não sabia lidar com essa insuportável tranqüilidade. A inquietude que vinha consigo precisava ser expandida para o ambiente. Ligou a televisão, mas as vozes que ouviu lhe trouxeram uma sensação estranha. Desligou. Ouviu umas músicas que havia gravado num cd, mas achou-as melancólicas demais. Desligou. Agora lhe restava o som do teclado e daquele vento que não cansava de correr em seu quarto pela fresta inclinada a aproximadamente 45º (as aulas de geometria por alguma razão vinham à tona e lhe davam essa sensação). O escuro quebrado pelo reflexo da tela trazia um ar sombrio e ela preferiu acender um abajur vermelho, presente de uma tia que gostava de dar objetos avulsos. Certa vez lhe deu um jogo de boliche que ela tirava do armário todo domingo para jogar com seu sobrinho.

Podia ler aquele livro, Saramago a poucas páginas havia contado sobre a sensação de se ficar cedo repentinamente. Descartou a possibilidade por não estar preparada para saber as consequências de tal cegueira. O fato é que era madrugada e enquanto a maioria das pessoas estava dormindo ela não conseguia fechar os olhos e adormecer. Era sua cabeça, essa mania de não parar de pensar. Tinha dias que deitava e passava horas olhando pro teto e pensando.

Teorias, poemas, idéias para filmes, o que precisava fazer no dia seguinte, lembranças, planos de ir estudar cinema em Cuba, o gosto daquele beijo, aquele filme que viu de tarde, o livro que começou a ler, os desejos, as conversas, os cigarros, a viagem em que conheceu aquele cineasta que poderia ser seu grande amor, o rumo que sua vida vinha tomando, o regime que dessa vez não passava de segunda-feira, a vontade de ser vegetariana, os cafés que nunca lhe tiravam o sono, os shows que viu e os que deseja ver, a saudade, as aulas inúteis de certas matérias na faculdade (e será que foram inúteis mesmo?), os sonhos que começavam a murchar como maracujá velho, tipo os que engordavam os ratos de 04...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Perturbação III

Ela quis mostrar para ele o mundo e coisas bonitas
Simplesmte fechou os olhos e se entregou
Pulou de onde já estava em queda livre
Acreditou que aquele amor dos livros e dos filmes havia chegado
A dor vinha, mas com um sorriso dele caía no esquecimento

Tudo foi mudando
Numa velocidade que não deu para ela acompanhar
Quando se deu conta, tornaram-se dois
Esquecer, simplesmente apagar, era disso que ela precisava

O que passou ia se extinguindo aos poucos
Imagens ficando cada vez mais distantes
Ele era isso: uma lembrança
E para ela tornou-se somente isso: passado



"Feliz é o destino da inocente vestal
Esquecida pelo mundo que ela esqueceu
Brilho eterno da mente sem lembranças"
(Alexander Pope)

"Abençoados os que esquecem,
porque aproveitam até mesmo seus equívocos"
( Friedrich Nietzsche)

sábado, 1 de setembro de 2007

Perturbação II



Chorando.
Foi assim que ela encerrou a leitura daquele livro que a acompanhou por um tempo.
Sua companhia dos momentos solitários havia chegado ao fim e agora lhe restava o que aprendeu com tudo aquilo.

Muitos sentimentos reapareceram ao longo da leitura e outros surgiram a medida que ia conhecendo mais Lóri e Ulisses.
Em alguns dias, chegou a acreditar que Clarice a descrevia sob o pseudônimo de Lóri, tamanha era sua semelhança com a personagem.
Lóri e Ulisses eram apenas (ou tudo) isso. Personagens.

Como explicar essa sensação que ela sentia como se estivesse mergulhada naquele romance?
Pode-se dizer que isso é natural. A leitura causa mesmo esse sentimento em algumas pessoas.
Mas era diferente. Aquela aprendizagem e o livro dos prazeres a tomou de uma forma que não tinha mais volta.

Queria ligar. Para quem?
Sair. Para onde?
Ouvir a voz dele. Para quê?

Estava pronta.
E agora lhe restava viver.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Perturbação I

Quer o mundo, como Karina.
Às vezes deseja apagar tudo, como Clementine.
Há dias em que não aguenta mais ser, como Lóri.
Aredita no amor, como Celine.
Mas ama e desama com facilidade, como Alice.
Possui a sutileza, como Claire.

Quer escrever como Gabriel García.
Às vezes deseja fazer filmes como Almodóvar.
Há dias em que não aguenta mais, como Augusto dos Anjos.
Acredita na dor, como Vinícius.
Mas sabe que a alegria vem, como Chico.
Possui a inquietude, como Tom Zé.

É flores, cores, música e cinema.
É margaridas, verde, vinil e rolos de filmes.

É
Está sendo
Será
Sempre